Trata-se de uma ação poética e relacional: a oferta de um PRESENTE ao morador da cidade. Uma intervenção na escuta do outro, no acolhimento de suas observações e percepções, na delicadeza dos encontros. Há uma dimensão ÉTICA e POLÍTICA: propor uma experiência artística, respeitando o desejo das pessoas e estabelecendo um pacto pela palavra, que é o de enviar posteriormente a fotografia (registro da ação e do encontro) pelos correios. Fruto de uma relação de confiança estabelecida entre estranhos , o outro vai esperar o presente chegar e vai re-viver pela imagem tudo o que aconteceu. HISTÓRIA E MEMÓRIA - elementos de nossa ação que dialogam diretamente com a cidade de Ouro Preto.
Outra dimensão percebida: a de PROVOCAÇÃO dos espaços e suas formas de organização, pensamento e utilização. Já citei (na postagem anterior) o questionamento aos guias turísticos sobre a Praça Tiradentes e seu modo de funcionamento. Houve desconforto e dificuldade de se explicar porque aquele espaço ainda é denominado de "praça". Mas houve outro fato interessante quando invadimos ( a partir do convite da Debora) uma loja fotográfica e lá dentro realizamos a ação de fotografar as pessoas, inclusive, a dona da loja. Do externo para o interno. Passado e presente se encontrando e se tensionando. E uma diferença: fazemos a foto sem cobrar nada, o que causou certo estranhamento pelo fato de se ir na contramão de uma lógica de lucro e consumo de uma cidade turística e com uma história de exploração e escravidão.
Haveria aí um deslocamento e uma subversão dos códigos, normas e formas de utilização dos serviços e espaços da cidade, bem como dos motores que impulsionam as relações entre as pessoas. Convidamos alguns turistas para participarem do trabalho e algumas respostas foram: "mais tarde voltamos por aqui" ou "deixa para depois"...Fomos absorvidos pelo imaginário coletivo da cidade, passamos a fazer parte da paisagem e silhueta urbanas. Uma relação entre ficção e realidade. Isso me lembra as questões da teatralidade e performatividade - o estudo da Dissertação do Leandro Acácio, meu companheiro de Lambe.
Será possível, Leandro, pensar no espaço da ação Irmãos Lambe-Lambe como um ESPAÇO POTENCIAL? Lugar de jogo entre nós e os passantes/participantes. Espaço lúdico. Mistura de uma certa teatralidade com aquilo que acontece no instante da ação. Quando trabalho com o pano preto, brincando com a ideia de uma cortina, um bastidor e depois o lanço no ar, marcando o momento de se "bater a foto", é tão engraçado, as pessoas se divertem, a gente ri também com isso...tem um pacto fronteiriço aí, como crianças brincando na praça.
2 comentários:
que relato maravilhoso, clovito! fico pensando na questão da memória dos lugares e acho que tem, aí, pano pra manga... beijo
Quando capturados pelo imaginário da cidade, temos aí história e memória. Na retina, desce a cortina e a imagem se faz num espelho d'água. O mesmo ocorre com a fotografia. PROCURO-ME na cidade que me vaza imagens, lembranças, tempo e coisa desaparecida. O lugar redunda minhas memórias e minhas memórias redundam-me. PROCURO-ME ao perder-me no[do] lugar oferecendo uma fotografia. PROCURO-ME, sem direção imposta, pelas ladeiras - o desviante, transeunte à deriva, le flâneur misturado às portas, aos adros, às ruas de escadarias. Ao acaso, um pano preto me despe. Da estação de trem ao chafariz em frente ao cinema, e acima, acima.. há lugares inaudítos por onde se instaura um quadro, uma procura e os sorrisos. Largo abraço de dois irmãos Lambe-Lambe e sua assistente, um convite sutil, imperceptível, fora de cena, a dar-se luz, ali, ao esquecimento! PROCURO-ME!
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