agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Mais um estudo sobre o trabalho do Obscena

Recebi, para minha alegria, a monografia de Iniciação Científica do artista e graduando do Curso de Artes Cênicas da UFOP, Paulo Maffei, intitulada " O diálogo entre performance e teatro na cena contemporânea" (orientação da professora Christina Gontijo Fornaciari) que tem como um dos objetos de estudo a prática do agrupamento Obscena.

Publico aqui uma entrevista que respondi para o Paulinho sobre o nosso trabalho:

Como o Obscena lida com a questão da localização de sua produção artística, no que diz respeito ao diálogo com a Performance, o Teatro, a Intervenção [Ocupação] Urbana e como estas fronteiras dialogam com a produção do grupo?

Acredito que fazemos e investimos numa prática cênica bricoladora com variadas formas de se fazer arte. Dialogamos com o teatro, a Performance, o vídeo, a literatura, a filosofia, a fotografia e a intervenção urbana. Uma produção híbrida, rizomática, fronteiriça, horizontalizada e muito pautada pelos interesses do agrupamento. Somos um agrupamento de pesquisa e a relação entre as inúmeras linguagens nos interessa muito.

Como se dá o processo criativo?

Por uma rede colaborativa na qual se cruzam desejos pessoais e acordos coletivos. Nos reunimos para leituras, discussões, práticas internas e ações e vivências na cidade. Também trocamos provocações em nosso blog, espaço no qual relatamos e refletimos sobre nossas pesquisas. Realizamos mostras de trabalho abertas ao público, convidamos pessoas para dialogarem com as pesquisas, enfim, o processo de criação está sempre em movimento e descoberta. Como numa rede, as pesquisas se interligam, se comunicam o tempo todo. Atualmente trabalhamos sobre a questão do espaço público, o poder, os corpos, e debaixo deste enorme guarda-chuva temático se abrigam diferentes abordagens de um mesmo assunto.

Como vocês enxergam dentro do agrupamento à relação Coletivo/Individual e a relação Cidade/Artistas?

Na questão coletivo/individual estamos sempre transitando entre esses dois pólos. Tentando achar um lugar de pesquisa e trabalho que se ligue nessas duas instâncias. Então é importante eu desejar algo individualmente e ainda assim levar isso para uma fricção com o coletivo. São acordos que fazemos quando decidimos investigar determinada temática. De alguma forma é o individual que alimenta o coletivo e vice-versa. Tem um diálogo aí também.

Já a questão do artista e sua relação com a cidade, acho que desejamos criar brechas nos espaços públicos. Tentar fazer da cidade nosso cenário expandido, criando ações e intervenções que provoquem as relações estabelecidas. A rua é um lugar de risco e me interessa muito atuar ali sem estar protegido pelo rótulo de artista. É uma invasão que busca ser “anti-espetacular”, e que pode tensionar as fronteiras entre realidade e ficção. Criando momentos de estranhamento, caos, e se possível, desordem.

Lembro-me que no ano passado propus ao agrupamento a prática de algumas ações que chamei de “exercícios de desorientação”. Experimentávamos por exemplo formar filas em lugares como uma faixa de pedestre, um poste, ou então filas para lugar nenhum. Enfim, filas em lugares os quais não se formam filas. Foi muito interessante ver a reação das pessoas. De alguma forma complicávamos a ação cotidiana das pessoas na cidade. O tecido urbano tem multiplicidades invisíveis, pessoas interessantes, lugares diferenciados, é um campo aberto, relacional, tenso e até mesmo poético. E na rua perdemos a autoria da obra, uma vez que o transeunte é convidado a atuar também. Na rua estamos em relação o tempo todo, nela uma ação artística se amplia, se transforma, ganha diferentes contornos..

(Belo Horizonte, Março de 2011).


Conduza-me.


quarta, 24 de agosto às 19h, a porta da Gruta! é aberta, ele entra suave, de verde.
passa a cortina e nós em reunião da Casa de Passagem.
minha primeira sensação foi negá-lo, fingir que ele não estava ali, meu corpo estava doído, a massagem pela manhã ajudara, mas o músculo fisgava ainda.
ele entrou, cumprimentou a todos, a mim e pôs-se a esperar, ali, tranquilo sentindo o espaço, percebendo minha leve antipatia, sou rude, é fato. De longe o observava se alongando, movendo-se pelo espaço.
aos poucos me desgarrei e fui me preparar para ser conduzida, troquei roupa, prendi cabelos e me coloquei no salão, fizemos alguns alongamentos sob sua regência, pedi que ele colocasse a música para a condução, ele hesitou e propôs, vendei meus olhos e começamos com buena vista social clube, tenho dúvidas quanto a musica... enfim...
o corpo conduzido - o breve intervalo que meu corpo aguardou seu toque foi duro, sou ansiosa e talvez por isso quase sempre neguei ser conduzida. eu vendada e no aguardo. sim é assim que preciso me colocar, esta será a ação que eu e o ator Lucas Alberto da Cunha iremos empreender, eu o convidei a me conduzir para juntos ocuparmos cantos inóspitos da cidade com essa ação afetiva dançante com o urbano. meu corpo se afeta pelo corpo masculino que me conduz e nossos corpos se afetam pela cidade que nos conduzirá.
durante nosso primeiro dia de trabalho tive uma bruta sensação dos meus limites corpóreos.
é concreto: há um homem à minha frente, eu mal o conheço, ele toca minhas mãos com uma delicadeza infinda e eu não me sinto confortável, é excitante, mas não é confortável, não o vejo, não devo tomar partido e sim deixar-me conduzir, isso é concreto. e difícil, muito difícil.
senti por várias vezes minha coluna se endurecendo, meu corpo se tornando pesado, enfim, sentia vergonha por não saber dançar junto ou mesmo por deixar minha feminilidade vir à tona, desagradavelmente mulher sem minha armadura habitual, sem minha braveza habitual e vexada também por sentir sensações extremamente prazerosas pela condução que o corpo masculino me ofereceu. poucas vezes me senti à vontade dançando com um homem, é fato.
Imagem - Banksy, fricções Joyce Malta.

segunda-feira, agosto 22, 2011

:: dentro, fora, entre... :: cores e formas na cidade :: kasa kianda ::





semana passada realizamos a avaliação das duas últimas ações do obscena: a "dentro, fora, entre: espaços de perrformação" realizada durante a semana de inauguração do sesc palladium, e a "somos cores e formas na cidade" realizada durante a segunda edição do festival de performance de belo horizonte. ainda tivemos a atualização da intervenção "kasa kianda" realizada por saulo salomão e leandro acássio.

sento necessidade de dividir algumas reflexões que surgiram nessa avaliação que, penso, estão de alguma maneira em consonância com todos os trabalhos dos pesquisadores do agrupamento.





"dentro, fora, entre..."

clovis domingos colocou uma observação instigante e provocadora da ação que é: como sustentar uma altitude interessante que se pretende criar sem deixar o fluxo dos acontecimentos caírem? o fato de haver vários espaços, nichos e instalações sendo formadas em contiguidade e sobreposição deixava o ambiente pleno sem, contudo, deixar tudo se tornar uma grande confusão ou simplesmente um amontoado de propostas. quer dizer que foi possível estabelecer uma relação de muita calma e escuta no meio das pilhas e trilhas de lixo (?) da cidade.clóvis mencionou que havia entre nós uma relação respeitosa com o lixo, o resto; procurou-se buscar relações, compor com o que estava exposto.

sobre isso
relatei que me senti em diversos momentos bastante atordoado. me via em diversas direções, tentando acalmar meu olhar que demorava para se fixar e buscar relações mais profundas. me senti extremamente só no meio de tanta materialidade interessante. é um grande desafio, exatamente quando estamos imersos no cotidiano da cidade, encontrar relações mais autênticas, mais livres e autônomas no meio da baderna.

a trilha sonora que preencheu impressionamentente o ambiente foi responsabilidade de joyce malta. como ela mesmo disse, foi uma grande descoberta para ela gravar os sons durante sua deriva e, na sequência, colocá-los à prova. é muito curioso que tipo de orquestração a cidade produz. são tantos recortes, tantas camadas que cabe a nós, derivantes, abertos para o que nos atravessa, perceber o que permanece, o que muda, o que insiste, o que assombra. como numa sinfonia, há instrumentos de várias naturezas com organizações próprias.

erica nêga ainda lembrou que, segundo ela, há uma recorrência em alguns trabalhos do agrupamento. busca-se (ou somento ocorre?), diante do caos das situações, da suspensão da naturalidade dos acontecimentos, uma relação patética, irônica e cômica que para ela é a realização de uma forma de anarquia. talvez ela esteja se referindo quando, de uma forma completamente absurda, matheus silva e saulo salomão sofrem uma "surra de lixo" na bunda enconstados numa das grandes pilastras do sesc. a pornografia e a obscenidade insistem em surgir no público - em geral, de forma bastante esterotipadas e banalizadas. nada mais instigante do que brincar e desorganizar essas imagens urbanas.

ficamos
pensando o quanto é ousada e instigante a proposta do sesc - que até então parecia inexistir enquanto um espaço de incitação e desenvolvimento de linguagens artísticas - de convidar e apostar em intervenções de coletivos e agrupamentos da cidade (n3p's, grupo xperimento sonoro6, kaza vazia, experimentos urbanos) que tem desenvolvido pesquisas no cruzamento entre linguagens e que se empenham em investigar a rua como espaço de criação.







"somos cores e formas na cidade"


tivemos a oportunidade de realizar a segunda edição dessa intervenção. dessa vez tinhamos mais do que o dobro de pessoas do agrupamento. totalizamos mais de vinte na rua. a princípio apareceram alguns problemas, que pude compartilhar depois na conversa que realizamos ao final da ação: em diversos momentos houve pouca escuta do que a cidade tinha a nos oferecer. a energia de grande parte das ações se situou numa espécie de algazarra que explodia em diversos espaços ao longo da praça da estação e ao longa da rua arão reis. a palavra era usada despudoradamente. grandes espaços eram oferecidos - permeados de pessoas, objetos, cores, luzes, sombras... - mas que foram praticamente negados grande parte do percurso. fico pensando que trata-se de como somos levados pela cidade, como, no meio da bagunça que já é muita, propomos uma fresta, um acontecimento estranho, ínfimo... a cidade cabe cada vez menos. acho importante transformar tudo aquilo que ela já produz e refazer, transformar de outra forma - atentos, diz kantor, em fazer a passagem da outra margem para a nossa vida...

enfim. um momento especialmente interessante ocorreu quando aquele grupo enorme de pessoas começou a andar rapidamente ao longo de passagens na praça rui barbosa. aleatoriamente esse grupo começa a correr alucinadamente pelo espaço central da praça. nesse momento produziu-se o que se poderia chamar de acontecimento: de algumas ações pontuais, inesperadas e sem conexão causal, ocorre um contágio entre os corpos e inicia-se um grande levante de corpos mudos, deslocando seus corpos em velocidade. depois fiquei sabendo que alguns passantes chegaram a sentir pavor - talvez sentindo que se tratava de um arrastão. mas tratava-se apenas de uma grande dança, o resultado de uma forte comunicação kinestésica e física entre os corpos e os espaços que a praça oferecia. não havia objetivos, nem pretextos, a cidade fazia os corpos se moverem.

outra observação interessante veio de clóvis quando descreve o momento que corpos ocupavam o meio da rua no viaduto de santa teresa. a sensação que se produz em transformar uma rua movimentada - até mesmo emblemática da cidade - em um livre campo para se jogar (situacionistas). erica lembrou bem: produziu-se naquele momento uma zona autônoma temporária. ela também lembrou de outro acontecimento que talvez tenha produzido e criado o mesma energia: quando os corpos pararam o trânsito do viaduto: ninguém buzinou uma única vez! houve um momento de respiro, suspensão. chegamos a dizer: pra que brigar, produzir embates com a cidade? se ela já nos agride tanto, seria mesmo interessante esse confronto? por alguns segundos, talvez um minuto, os carros e os ônibus ficaram absolutamente inertes, pairavam por cima do viaduto, pasmados.





breve "kasa kianda"

não poderia deixar de mencionar os acontecimentos da "kasa kianda". saulo ficou intrigado como o trabalho transbordou os limites entre arte e vida. num dado momento, alguns meninos pediram para entrar na kasa que estava armada em frente ao bordelo. eles se deitam e dormem por lá. como desarmar a "obra" depois disso, com os garotos deitados lá? clóvis fez uma descrição maravilhosa do trabalho que, para mim, é oiticica puro: kasa kianda é um trabalho relacional. a arquitetura se torna pertencimento e não mais uma estrutura, uma forma de conter fisica ou concretamente um espaço. a relação entre os corpos faz a arquitetura. lembro-me bem de oiticica se referindo a merleau-ponty: a arquitetura se dá a partir do corpo e não no encontro do corpo com o espaço, estriado, já feito, é o corpo que produz arquitetura. ao invés de nossos corpos se adaptarem à geometria dada realizada no espaço, o corpo produz seu mundo, suas formas, sua casa.

domingo, agosto 14, 2011

Isso é uma GARI-PERFORMANCE? Isso arde.

" Como será (des)contextualizar os restos e materialidades intensivas da rua para a galeria?
Será destacar formas e cores? Esses materiais vão ganhar outro olhar e outras identidades por estarem no espaço de Dentro? Fluxos de naturezas deiferentes:
Ser resto
Ser Lixo
Ser arte
Ser (de)Composição.

Isso é só um resto do meu corpo
Isso é só um resto do corpo da cidade
Isso é só um entre-objeto...
Isso é só uma delicadeza
Isso é só um garimpo das nossas sobras
Registro e vestígio de nossas necessidades
Isso é só uma epifania do comum
Isso é só uma filigrana de dignidade das coisas abandonadas
Isso é só um corpo
Gilete, vidro, papel, comida, sabão Omo em pó.
Isso é só
o Pó
de nós mesmos...



Foto de Daniel Botelho


Isso será arte?
Arte
Arte
Arte
Arte
Arde
Isso arde?
Arde, arde, arde...arde
Ar,
ar,
ar...
Ar.....
AR!!!
Arte arde?
Anti-arte?
Arte-Art?


Entra que o mar abre!
Revela-ação.
Instala-ação.
Corporifica a ação.
Há beleza
No garimpar as miudezas
de nossos excessos.

Garimpa as miudezas
Garis-performers
performam
reformam
os espaços.

Isso é uma gari-performance?
Seremos garis e coletores
das formas e cores
da cidade?
Coleta
coleta
coleta!
Cor
letra
Cor
letra
coleta cor, letra, lepra, merda!

Salve o sujo!
Salve o amassado!
Salve o rasgo!
Salve o engasgo!
Salve o quente
e o frio!
Salve o barro!
Salve o BARRIO!!!

Isso é um objeto ou um dejeto?
Isso é um afecto.

Abre que o mar entra!
Abre que o Acaso chega
Abre que o pequeno aparece
Abre que a cidade te beijará
com seus restos
rastros
ratos
retos
ritos
rotos
arrotos
rústicos
ruídos
delicados
redondos...

Não existe sujeira
só existe delicadeza.
Não existe sujeira
só existe civilização.
E ISSO ARDE!..."

Clóvis Domingos.

(Texto escrito em vários momentos da manhã do dia 04 de Agosto de 2011, como um exercício de aquecimento emocional e perceptivo para a ação "Dentro, fora , Entre: espaços de performação" que o Obscena realizou para a inauguração do Sesc Palladium em Belo Horizonte).