agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

sexta-feira, julho 08, 2011

Vinte metros de liberdade (guest post)

Texto publicado por Renato Mendonça, jornalista de Porto Alegre responsável pela cobertura do Festival do Teatro Brasileiro - Cena Mineira, e gentilmente cedido para a publicação em nosso blog. 

 

foto: Cris Livramento


Como parte da programação do Festival do Teatro Brasileiro, o grupo mineiro Obscena orientou uma oficina de três dias no Presídio Madre Pelletier, em Porto Alegre. Para mim, uma experiência difícil de esquecer – além de reviver meus tempos de repórter, me fez espectador privilegiado de um momento fugidio (ou não) de liberdade. Confira minhas impressões abaixo.  O FTB etapa RS tem patrocínio da Petrobras e copatrocínio da Caixa. Consulte a programação completa do festival no site da Liga www.liga.art.br e siga pelo twitter @ftb_rs.  
A oficina que o grupo mineiro Obscena orientou no Presídio Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, pode ser resumido em duas cenas.
Cena 1: Quarta de manhã. 18 internas, escolhidas pelo serviço de valorização social do presídio, chegam para o primeiro de três dias da oficina Diálogos Obscênicos. Elas são carinhosamente recepcionadas pelas quatro atrizes do grupo, mas suas caras estão sérias, os corpos estão duros, o ambiente está frio – talvez pelos 7°C que resfriam a capital gaúcha
Cena 2: Sexta de manhã. O cenário é o mesmo – o frio e descarnado auditório da penitenciária. Mas, agora, ao se reencontrarem, internas e atrizes se abraçam carinhosamente, são amigas, juntas na expectativa do grand finale da oficina – um desfile de modas no figurino do Obscena, que terá 15 internas, entre 26 e 42 anos, como suas modelos.
O que ocorreu entre uma cena e outra, para que elas fossem tão diferentes. Erica Vilhena, do Obscena, tenta explicar:
- Queremos fazê-las repensar a imagem que elas têm de si mesmas. É muito difícil ser mulher e estar presa. Mais que o homem, a mulher sofre por estar afastada dos filhos e da família. Nós viemos aqui trazer doçura, destrinchar o corpo delas. Não chegamos como atrizes, chegamos como mulheres.
A receita para esta transformação passa pela redescoberta da autoestima e dos sentidos, embaçados pela vida nas galerias. Em um dos exercícios, as oficinandas ficavam deitadas de olhos fechados e tentavam adivinhar cheiros como de bergamota ou de cravo, gostos como o de leite condensado e de morango. As atividades sempre incluíam massagem nos pés e relaxamento. Um luxo para quem dispõe de um fino cobertor para se proteger do frio.
Outra etapa importante foi cada uma das oficinandas criar um cartaz, a partir especialmente de recortes de revistas e jornais, que iria carregar na “passarela”. Os cartazes misturavam sofrimento e dor: três deles traziam o recorte com a pergunta “Por quê?” (tirada de um comercial da Pepsi), outro trazia a foto de Claudia Leitte linda, leve e solta, de braços abertos, outro tinha o recorte “Fogo cruzado”, enquanto outro trazia escrito “Mesmo descabelada, continuo sendo mulher. Gorda ou magra, me amo e não vejo diferença”.
O clima pré-desfile expunha os resultados da oficina. Com a trilha de “É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado” e do rap gospel “Entra na minha casa / Entra na minha vida / Mexe com minha estrutura / Sara todas as feridas”, a modelos cantavam alegremente, se maquiavam com a ajuda das Obscenas e davam uma recauchutada no perfil. Se não tem silicone, enchiam um balão e colocavam debaixo da blusa para turbinar o busto, se não tem roupa de grife, veste uma meia-calça colorida e cola adesivos para enfeitar. A Obscena Lissandra Guimarães deu a dica para bem desfilar, apontando para a câmera de vídeo que registrava as atividades da oficina: “Imaginem que essa câmera é nossa janela”. Nesse momento, pouco interessava que todas as janelas do prédio fossem gradeadas.

 Foto: Cris Livramento

O desfile foi singelo, mas emocionante, tendo como público funcionárias do Presídio e algumas presas. Exibindo os cartazes, mesmo com os rostos muitas vezes exageradamente maquiados e com os sinais de feminilidade próximos da caricatura, os pouco mais de 20 metros de passarela bastaram para provar que as modelos do Pelletier se negavam a se depreciar. O humor estava lá também: uma das modelos usava um adesivo escrito “Proibido” sobre o busto, outra preferiu colar a etiqueta “Liberdade” nos quadris. No canto do auditório, se via uma bandeira do Brasil que foi usada como máscara por uma das internas durante o desfile. Seria essa a cara do Brasil? Seria liberdade de verdade ou máscara? O depoimento Tatiane, 30 anos, aponta para um final feliz:
- Escrevo poesias e um diário. Tenho certeza de que, hoje à noite, a passagem que vou escrever no diário vai ser uma coisa bonita.
Nas homenagens de praxe que encerraram o desfile, unindo direção do presídio, oficineiras e oficinandas, uma das presas tomou a palavra e mostrou que a lucidez também passeou na passarela.
- Não vamos sair daqui (da oficina e do desfile) transformadas, mas vamos sair atrizes bem-formadas.
Pode ser que a oficina Diálogos Obscênicos sobreviva na vida das internas/modeloss resumida a algumas linhas felizes em um diário. Ou seja esquecida em alguns dias pela ação da crueza do regime fechado. Ou então anime o sonho de alguém pelo resto da vida. Difícil dizer como serão as próximas cenas, mas, naquele sábado de manhã fria, uma janela se abriu. 

foto: Cris Livramento