agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Rede colaborativa tecida por encontros e desejos

O Fórum do Obscena foi um lugar de reflexão das práticas dos pesquisadores e uma oportunidade de troca de idéias e provocações.
Cada dia com seu tema mais específico e um formato diferente.
A partir do "cruzamento" de conversas com Joyce e Idelino, sinto agora uma necessidade de uma contaminação de procedimentos ou uma fricção desses materiais, na tentativa de surgimento de novas tessituras cênico-performáticas. Necessito de um agir colaborativo para que minha pesquisa ganhe novos contornos.
Um elemento presente em todos os relatos foi o PROCESSUAL da pesquisa de cada um. As pesquisas sofreram desvios, encontros, contaminações e momentos de dúvida e falta de certezas. Não é possível reter o fluxo dos acontecimentos e agenciamentos.
Eu pude no dia do Fórum perceber que tinha abandonado alguns procedimentos interessantes e que agora sinto o desejo de recuperar alguns territórios ainda potentes. Como lotes abandonados, para mim torna-se necessário voltar a ocupá-los e rever o que está no meio da sujeira.
A escrita de Nina, o ato de riscar os corpos das mulheres, ainda me fascina muito. Ela trabalha com a questão das mulheres mortas. Quando recuperei o ato dela, na verdade eu tinha a idéia de atuar no campo da umbanda quando riscar no chão com a pemba é grafar uma presença ou evocar uma Linha de Proteção, ou ainda circunscrever um espaço circular e fechado para a magia e procedimentos de cura.
Se em Nina temos uma dramaturga que atua, penso em meu procedimento que sou um atuante num ato dramatúrgico. Os objetivos são diferentes e os universos também. Recupero a questão do "corpo emprestado" que também considero muito interessante. Fora a questão dos esgarçamentos das funções criativas dentro do Núcleo Obscena. Até onde ator, diretor e dramaturgo? Temos uma pesquisa riquíssima em nosso trabalho.

Outra reflexão : até onde a autonomia do pesquisador e até onde seu agir coletivo?
Penso que se trata de um "trânsito ininterrupto", sempre em movimento contínuo.
Temos nossas pesquisas individuais sim, mas estamos numa rede colaborativa, logo um agrupamento de trabalho e então nos provocamos, discordamos e somos, em algum lugar, responsáveis ou co-responsáveis por todas as outras pesquisas.
Afirmo isso, porque no Fórum senti-me parte de tudo o que era exposto, e mais, eu conhecia de perto todas as pesquisas, sempre procurei estar acompanhando os procedimentos, discutindo ou escrevendo minhas observações no blog. Nada do era falado soava estranho para mim, pelo contrário, eu me misturava naquilo tudo e sabia da importância dessa rede de colaboração.
Autonomia e Coletividade são dois aspectos importantes desse núcleo de pesquisa. E acredito que construímos isso juntos e de forma singular.

Idelino afirmou que para ele PROCEDIMENTOS COLABORATIVOS são: perguntas, acompanhamentos de pesquisas e disponibilidade de colocar o CORPO numa proposta do outro. Porque se cria uma rede de confiança, de diferenças, abandona-se certezas e pode-se descobrir a aprtir de dois, por exemplo, uma terceira coisa. Foi uma dificuldade assumida pelo pesquisador Marcelo Rocco. Ele acredita que esta exista devido à sua formação de diretor como figura mais importante num processo de criação. Acredito que um agir colaborativo é um aprendizado constante. E mais : confrontação e concessão são aspectos fundamentais de um fazer colaborativo.

Torna-se necessário destacar os trabalhos colaborativos do Fernando e do João, que chegaram de fora e que trazem novos olhares sobre a nossa pesquisa. Como não ser afectado pelas imagens do vídeo do Fernando ou as fotografias do João? Além de registros preciosos sobre nossos processos , são LINGUAGENS que se contaminam com nossa prática e influenciam nossas pesquisas. Então o Obscena vai aumentando essa rede colaborativa. Rede frágil, rede forte, rede dinâmica, mas acima de tudo uma REDE DE DESEJOS, ainda que obscênicos.

segunda-feira, novembro 17, 2008

o retorno ao deserto

nossa pesquisa avançou e temos amadurecido mecanismos a partir das necessidades apontadas por esse avanço. parece-me que a última mostra (ou primeiro fórum) do obscena é um resultado disso. ao optarmos por verticalizar as pesquisas e colocá-las dentro de um quadro de discussão, pudemos, nós mesmos, entendermos uma série de questões relativas às nossas próprias investigações. achei, evidente, uma tremenda lástima a minha ausência no primeiro dia de fórum, dedicado aos transgêneros. dele não poderei falar.
o segundo dia (no qual me atrasei, outra lástima) foi bem interessante e esclarecedor para mim em vários sentidos: a percepção nítida das relações intrínsecas não só entre as pesquisas expostas nesse dia, mas delas com, pelo menos, as do terceiro dia...
mas, o mais interessante, a clareza dos pesquisadores - ainda que em fase de experimentação - em relação a meios e objetivos. as questões subjacentes aos materiais desenvolvidos, o caminho de amadurecimento dos olhares. e, volto a dizer, as relações entre esses caminhos e os caminhos que se apresentaram no terceiro dia... sim, porque enquanto ouvia idelino, clóvis e joyce falar, eu, no meu vício dramatúrgico, já tecia fios de ligação entre os elementos expostos ali e aqueles que venho buscando desenvolver em minha própria investigação.
a relação entre corpo e função (o corpo que deve estar ali é o meu?), a pomba gira que, sendo entidade, é uma mulher morta que retorna, que assume outro corpo. o estranhamento entre essa posse e o corpo que a rejeita. os estados desse corpo/mulher pomba gira. os lugares de representação dessa figura...
em clóvis, a questão dos objetos despachados, a relação entre esses objetos bonecas e as bonecas objetos que estão se desenhando... as influências das caminhas performáticas sobre este material que se delineia. em joyce, a relação entre as entrevistas e os corpos/estados/figuras desenvolvidos pela lica. a questão, principalmente, da transição entre esses corpos/estados: da jovem que sonha com a quarentona que já se desiludiu.
no terceiro dia, achei muito importante a presença da marcha mundial das mulheres, tanto na oficina quanto na fala, quanto na "assitência" da exposição de bonecas realizada na vitrine.
apesar do avanço do formato (o fórum, ao invés da mostra), o qual, acredito, nos servirá de modelo para a contrapartida que realizaremos junto ao arena de cultura, creio que ainda falta muito.
obscena: agrupamento independente de pesquisa... parece-me que nos faltam ainda mecanismos próprios de autonomia, não do agrupamento, mas dos pesquisadores. falta ainda relacionar essa autonomia com a noção de coletivo: um coletivo do qual usufruo, mas, principalmente, um coletivo que construo. que depende da construção diária e constante.
somos uma rede de colaboração? essa rede implica somente nos materiais criativos, ou estamos falando de um modo de produção? como me colocar como produtor de meios para que este coletivo se estabeleça, para que ele encontre caminhos possíveis para o aprofundamento dessas investigações/materiais? para onde queremos ir?
para mim, a pergunta fundamental que cada um de nós deve se fazer é: o que eu levo nessa viagem pelo deserto?

nina caetano

domingo, novembro 02, 2008

Relato(´rio) Obscênico 02 de Novembro


















Relato (´rio) Obscênico, 20 de Outubro de 2008.



Viaduto Santa Tereza. Eu, Erica. Uma mulher de 29 anos enfim. Entrando de fato em meu retorno de saturno. Ontem, o assassinato da menina Eloá. E eu a construir minha ação/situação sem me ater a esse dado. Esse fato fatídico. O namorado que mata a namoradinha de 15 anos por não aceitar a perda. Mais uma vez estamos diante dos encantos da buceta. Não. Não estou tripudiando sobre a dor e desgraça alheia. Não mesmo. Estou apenas suscitando o valor da carne. A paranóia da carne. A posse travestida de amor, paixão.
Pois bem, cheguei eu com minha bugigangas. Está claro ainda. Vejo um caixote no passeio do parque. Vou até ele. Joyce já está a descer a rua. Faço menção para que fique próxima a mim. Estou um tanto quanto receosa. Há uma mulher mais velha a falar com uns meninos no banco, aos fundos do local onde depositei minhas peças de trabalho. Neste momento eu trabalho. Meu corpo se fortifica com a exposição na rua. Não conheço quem passa e ninguém me conhece, o anonimato que nos aproxima. Vou até um butequim e peço ao senhor que encha, por favor, o meu balde, desejo que todos tragam um. Aos poucos os obscênicos vão chegando, peço que encham seus baldes. Joyce e Nina me ajudam a desfolhar as revistas. Hoje eu enclui as imagens de revistas sobre mulheres: pornô, crochê, gravidez e nomes de bebês... cada uma pertencente a um corredor do grande ‘mercado da buceta’, sim este mesmo que fora responsável pela morte da menina Eloá. Tristeza. Aos pés da estrutura de ferro - que não faço idéia do que represente - instalo minha ação/situação: um tapete das imagens das revistas, o caixote, sedas por sobre a madeira. Os brinquedos de casinha em cor-de-rosa compõem o interior do castelo que está erguido à frente da imagem principal. Uma evolução de invólucros:à frente o castelo como uma muralha de proteção, à seguir um piso/tapete das páginas das revistas, por sobre este os móveis de plástico rosa, boneca e bonequinho, ao fundo o altar coberto com as sedas, um corpo de mulher sobre o salto, roupas que transfiguram o corpo natural, traz nas mãos assim como um buquê de noiva os objetos da rotina caseira – rodo, vassoura e pá, em miniatura. Coloco-me ali e peço aos obscênicos que destruam aquela imagem. Meu pedido é sincero, mas ainda não tem a força suficiente para passar de desejo a realização. Este é um ponto de reflexão do experimento.
A senhora que falava com os meninos que ali habitam vem para ver o que se passa. Num primeiro momento usa o escudo da religião para nos falar. Depois relaciona com a morte da menina Eloá. Ela se aproxima do meu corpo, tenta ler a faixa do ‘dia das mães’ que trago entre os dentes. Já babo. Ela levanta a calcinha sobre meus olhos, mas uma senhora branca e pequeno burguesa se intromete: _ não mexe não que ela é estudante de teatro, isso é arte. Que merda, penso eu. Quando ia conseguir a reação desejada essa estúpida me atrapalha, mas enfim, é o outro lado da moeda não é mesmo?!
A polícia passa.
Há incômodo entre os que estão a me olhar, a ‘macumba’ é sempre a culpada de nossos atos obscênicos, engraçado isso.
Continuo ali. Lica já me jogou água. Nina retirou o buque das minhas mãos, Joyce mandou água na casinha. Um rapaz muito ligeiro chutou o castelinho!!!
Continuo ali.
Frio.
Já não sinto direito os braços, estáticos. Essa sensação de inércia é muito boa. As pessoas me perguntam o que faço ali. Não há o que falar. Simplesmente estou.
Um moço de roupa social achou que a calcinha na cabeça era a que estava na buceta, foi checar minha bunda e viu a marca da minha cueca. Fez questão de salientar para todos que eu estava com os fundos protegidos apesar da tanga sobre os olhos. Escroto.
A polícia vem novamente e pára. O moço vai até eles e dedura os meninos que ali habitam. Obviamente: batida. Seguro minha ação/situação, assim não há como os policiais serem agressivos com os meninos. As pessoas se dispersam e nós também.
Sinto-me renovada.
Sinto-me envergonhada.
Sinto-me depenada.
Sinto-me inquieta.
Há que se fazer isso mais e mais.
.SARAVÁ.

sobre a potência das ações

Sexta feira 31 de outubro. Sete horas da noite. Deveria ir a uma festa da abrace ver os amigos, mas algo me instiga nessa noite. Nesse escritório em frente ao computador minha cabeça ferve de baby dolls. Como viabilizar o aprofundamento desse experimento?
Mesmo sem ter podido mostrar para o meu mais querido e arguto interlocutor esse material como era meu ardente desejo, conversamos sobre a proposta, sobre o que ele viu de cidades mortas e sobre o que já foi feito no obscena, em termos de relações com a rua. Já é um canal aberto de uma comunicação que desejo muito fortificar para o agrupamento como um todo. Mas é um caminho que é preciso que trilhemos todos no sentido do rigor e de busca de clareza de nossas ações. Para onde queremos caminhar?
Verticalizar os experimentos no sentido de uma ação clara. O que é potente no que estamos fazendo? Quais os perigos e desvios? Como condensar as propostas, engrossando esse caldo?
Vejo uma imensa potência nessa exposição de bonecas, nessa estrutura aberta que articula nossas ações em uma rede colaborativa, num diálogo que ocorre no aqui e agora, no calor de nossa sala de ensaio, a rua. Interessa-me, sobretudo, isso. Essa obra se fazendo ali, do cruzamento de nossas vozes autônomas, de nossos fluxos paralelos. Em permanente diálogo.
Por meu lado, eu devo assumir esse corpo dramaturga atuante em fluxo também de escrita. Em permanente ação obscena filtrando espectadora a paisagem da rua. Estou dentro/fora? Que lugar é esse?
Como vejo extrema potência nesse experimento que já estabelecemos, lica e eu, entre escrita e ação, entre mortas que se multiplicam pelas ruas e essa mulher objetos em suas diversas ações: numa ação concentrada, em determinado espaço. Ela nômade invasora de lojas espaços privados de consumo imediato.
Como viabilizar o aprofundamento desses experimentos?

Nina Caetano

sobre a educação da mulher

Debaixo do viaduto Santa Tereza algo acontece. São sete horas da noite e pessoas vão chegando com baldes cheios de água. Uma mulher recebe os baldes e os coloca num semicírculo, em torno de um poste. Páginas de revista. Mulheres nuas, arreganhadas. Significado de nomes para o bebê. Cuidados com a gravidez. Peças de tricô. A mulher constrói um tapete. Depois um altar. Uma nave. Sobre as páginas, miniaturas de objetos do lar: mesas, cadeiras, panelas. Tudo nesse universo do Mercado da buceta, o experimento da obscênica Erica, é rosa. Brinquedos de menina já numa construção da mulher.
Em frente ao tapete, um caixote de madeira, desses de mercado. Ela finaliza seu ritual. Sobre a roupa que veste outras roupas nas quais não cabe. Essa mulher de corpo apertado martirizado "enroupado" sobe em seu pedestal de mãe mulher, nas mãos uma vassourinha, um rodinho e uma pazinha. Brinquedos de menina. Debaixo do viaduto Santa Tereza, às sete horas da noite, sobre um caixote de feira, sobre um salto. Um altar. Ela pede que destruamos a imagem. Difícil tocar nela. Mais fácil destruir os objetos. Mas algo acontece.
Aproxima-se desse altar uma senhora de rua a quem inquieta essa imagem meio nossa senhora meio santo de terreiro com aquela calcinha cobrindo a cabeça. A senhora, Celina, diz “é coisa de quem não tem deus”. Ah, a senhora Celina... gloriosa intervenção no rumo dessa ação provocativa. Ela se incomoda, avança, toca, interroga, provoca e é provocada. Mas sua ação também incomoda as certezas de uma senhora burguesa que está tentando entender e mastigar tudo isso. Celina toca, avança a mão sobre a cabeça da atriz, a calcinha a deixando inquieta. A outra, a senhora burguesa, parece também ter ímpetos de ação que se diluem na sugestão de chamar a televisão e tentativas de ordenação “Não toca, você está atrapalhando. Não está vendo que é arte?” “A senhora podia ter pelo menos educação e me chamar num canto se queria falar comigo”, responde Celina altaneira.
Ah, gloriosa Celina... Também saio de lá provocada, desejosa.
Baby dolls.

Nina Caetano